segunda-feira, 30 de julho de 2007

Copyleft

Copyleft

Por André Machado
29 de Julho de 2007

"O copyleft é um modo de usar o copyright para proteger a liberdade das pessoas de uma ameaça específica. Suponha que eu desenvolva um programa free, o que significa que todos são livres para copiar, distribuir e mudar esse programa. Agora, suponha que uma empresa de software proprietário o mude e lance a versão modificada, algo que ela teria direito de fazer. E suponha que você compre uma cópia dessa versão. Você, como usuário, terá nesse caso, a liberdade de mudá-la e redistribuí-la? Não. É aí que entra o copyleft. Porque eu não ia querer criar um programa apenas para ver uma empresa de software proprietário lançar uma versão melhorada dele -- e que não seria livre. Esta, sem dúvida, seria uma concorrência desleal. Todas as melhorias que eu fiz estariam à disposição da tal empresa, enquanto as feitas por ela jamais estariam disponíveis para mim! Isto é, eles teriam a vantagem justamente por estarem tratando pior o público. O copyleft é o que eu uso para evitar que alguém faça isso. Uma técnica legal, baseada na lei do copyright. Ela funciona assim: primeiro eu digo 'este programa é copyrighted'. Depois digo 'Você tem a liberdade de redistribuir cópias, de fazer mudanças, de distribuir cópias com modificações'. Mas há algumas condições. Elas dizem, basicamente: 'quando você distribuir algo que contenha uma parte deste programa, o programa como um todo deve ser distribuído precisamente dentro destes termos -- nem mais, nem menos'. Assim, quando você passar adiante meu software com extensões e mudanças diversas, quem o receber terá que ter liberdade com esta versão -- a mesma liberdade que eu lhe dei quando você usou meu software. Você deve lhes dar a mesma liberdade para fazer cópias e novas melhorias. Assim, aonde o software for, a liberdade irá junto."

Dessa maneira cristalina Richard Stallman, pai do movimento do free software, respondeu a uma pergunta que lhe fiz durante um bate-papo no Centro do Rio, pedindo para compreender melhor o conceito de copyleft, que grosso modo, poderia ser traduzido como "esquerdo autoral". Quem leu meus artigos iniciais mencionando a General Public License (GPL) -- "Liberdade acima de tudo", 10/7, e "A nova GPL e suas implicações", 16/7) já deve ter percebido que a licença da Fundação Software Livre é baseada justamente neste conceito do copyleft, que pega a noção tradicional de direitos autorais e a bota de cabeça para baixo, evitando que qualquer parte de um software desenvolvido com o intuito de compartilhamento geral acabe nas mãos de uns poucos. Vejam que o copyleft e a GPL não são contra o desenvolvimento de software comercial -- tanto que empresas têm direito, tanto quanto usuários, de pegar um programa livremente e mexer nele. Só não podem bater pé e teimar em não passar adiante suas próprias contribuições, como prevêem o conceito e a licença.























Stallman nunca viu o copyleft como algo definitivo. Em outra conversa que tivemos, perguntei-lhe se o copyleft seria o substituto ideal do copyright, dos direitos autorais como os conhecemos. Ele me disse que não. "O copyleft é um meio de assegurar nossas liberdades no mundo de hoje, face ao atual sistema de copyright. Mas, se fosse o caso de mudar leis, poderíamos apenas dizer que todo software deve ser livre. Aí não precisaríamos mais do copyleft", afirmou. A questão é: não se pode pensar em algo mais antípoda da tecnologia que a letra fria da legislação. A primeira viaja à velocidade da luz; a segunda, a passos de cágado (e, pelo menos no Brasil, com um jargão comparado ao qual até a carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, é mais fácil de entender). E, muitas vezes, as leis acompanham o "status quo". Veja-se o Digital Millennium Copyright Act, que protege o DRM -- controle de direitos autorais em dispositivos tecnológicos.

Por isso mesmo é que o copyleft ainda é necessário e continua dando suporte à GPL. Entretanto, copyleft não precisa ser usado somente na seara tecnológica. Quem quiser compartilhar outros tipos de obra e garantir que eles continuem sendo livremente compartilhados pode recorrer a ele. Mas há diferenças entre o copyleft usado na programação e aquele usado para textos e afins. Segundo Stallman, "trabalhos funcionais, que existem para propósitos práticos, deveriam ser todos livres exatamente do mesmo modo que o software deveria ser livre". Ele cita como exemplos manuais de programas ou qualquer outro texto com fim prático. Nesse caso, recomenda a GNU Free Documentation License(GFDL), ou, em português, Licença de Documentação Livre. Já para ensaios e trabalhos artísticos, Richard defende formas de direitos autorais modificadas, com prazos menores que os atuais.














Nessa última área, quem vem trabalhando muito é o pessoal dos Creative Commons. Trata-se de um projeto que cria licenças de copyright flexíveis para qualquer tipo de trabalho intelectual. É o que eu chamo de "copylight", em contraposição a copyright. Por exemplo, é possível a um artista disponibilizar livremente seu trabalho para cópia, mas com a condição que ela seja usada para fins pessoais, não comerciais. O rapper BNegão, por exemplo, começou disponibilizando suas músicas na internet sob a bandeira do copyleft, mas depois passou a usar licenças Creative Commons. Muitos blogs também utilizam esse tipo de licença. Como já disse, vou falar mais dos CC em uma coluna separada em breve.

Poderíamos nos perguntar por que tanta preocupação em achar novas formas de regular o uso e a cópia de informações. O motivo, naturalmente, é a velocidade das inovações tecnológicas, representada em sua forma mais vertiginosa pela internet, que a todo momento exige que repensemos nosso universo pessoal e profissional.


Fonte: FórumPCs

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